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domingo, 7 de setembro de 2008

"O carnaval da tristeza: os motins urbanos do 24 de agosto", in Vargas e a crise dos anos 50

(Apresentada à PUC-Rio, em maio de 2005)

Em O carnaval da tristeza: os motins urbanos do 24 de agosto, Jorge Luis Ferreira procura colocar o povo no lugar que, quase sempre, lhe foi negado pelos livros de história. Mesmo presentes, nomes como o de Carlos Lacerda e de Gregório Fortunato não são protagonistas da história que Ferreira conta. Antes, ele aponta as massas que afluíram, naquela data de 1954, em protesto pelas ruas das principais cidades do país, como agente paralisador do golpe tramado pela UDN com apoio militar; adiando-o, ela sim, por 10 anos. Mais ainda, o escritor quer mostrar como a força com que essas massas manifestaram-se foram, ao mesmo tempo, produto e combustível para o mito Vargas, o do “pai do povo”, que persiste até hoje e do qual políticos de diferentes partidos querem se fazer herdeiros.
Se enquanto ditador Getúlio Vargas teve nas mãos o controle da imprensa e da produção cultural, enquanto Presidente eleito, a partir de 1950, os jornais, em poder da oposição conservadora, foram-lhe implacáveis. Na Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, Vargas era classificado como “caudilho, imoral e assassino”. Seria, ainda, taxado de “indigno” por O Estado de São Paulo e, da mesma forma, em O Globo, O Dia e nos títulos dos Diários Associados. Ferreira escreve que somente o jornal Última Hora permaneceu fiel ao Presidente, defendendo sua permanência pelo menos até as próximas eleições. Talvez para abrandar a percepção que se tornava comum: o mandato legitimado nas urnas pareceria ao povo menos legítimo que o anterior, alimentado pela intensa propaganda ideológica. O atentado da Rua Toneleros seria, nesse contexto, insuportável para imagem do Governo. Tanto, que chegaria ao fim dias depois, com o suicídio de seu líder, um ato simbólico que viraria tal cenário de ponta a cabeça.
O “sacrifício no altar da pátria” foi purificador para a imagem do Governo Vargas e avassalador para seus opositores, conforme aponta o autor. Bastou as rádios anunciarem o suicídio para que o “líder dos trabalhadores” assumisse de volta o lugar do “assassino” no ideário popular. Ruas e fábricas pararam e o que se viu foi a depredação de redações de jornais e sedes de partido que se identificassem com a oposição antitrabalhista. Aqueles que, desde 1950, tentavam derrubar o Governo passaram à condição de assassinos ou de inimigos do povo, para os quais, tal como em Brecht, a manifestação da maioria numérica seria paralisadora.
Valendo-se de trabalhos de Thompson, Mircea Eliade e Raoul Girardet acerca do imaginário coletivo e da construção de bens simbólicos, Jorge Luis Ferreira descreve os “motins populares” como manifestação de um trauma decorrente da ruptura de Vargas como bem simbólico apropriado pelas massas. A recuperação desse trauma dar-se-ia pela negação e conseqüente destruição dos bens que parecessem incorporar o seu oposto. Ilustrativo de tal pensamento seria o fato de a população ter aplaudido a unidade de choque da Polícia Especial que deveria controlá-la, saudando-a como “polícia do Getúlio”. Identificada com a causa daquele que a fundou, essa unidade policial não deveria ser combatida, mas acabar, até, segundo o texto, subvertida pelo povo, servindo a ele como verdadeiro companheiro e protetor ante a ameaça maior representada pela ação das Forças Armadas.
Como resposta ao dilema da Teoria da Comunicação que pretende avaliar se a imprensa reflete ou molda a opinião pública, os movimentos que se seguiram à morte de Vargas mostram como, até certo ponto, os dois pontos são verdadeiros. Se num primeiro momento os jornais conseguiram imprimir ao Governo a negatividade que o tornaria insustentável, após o 24 de agosto os motins urbanos levariam a imprensa a recuar, fazendo-a retratar-se e retratar Getúlio Vargas, no caso do próprio jornal de Lacerda, como “herói traído” em vez de caudilho traidor. Do mesmo modo, recuariam as forças prontas para dar o golpe udenista-militar. Aí se encontra, tal como na desmobilização da Polícia Especial, a subversão que caracteriza aqueles movimentos como um carnaval tal como o descrito por Darcy Ribeiro, período delimitado para suspensão da ordem e inversão das hierarquias, porém, marcado pela morte em vez do samba.

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