(Publicado em abril de 2007 pelo NEO - Informativo Eletrônico do Centro Cultural de Laranjeiras)
Já em DVD, o filme A Rainha (The Queen; Inglaterra, 2006) não é o melhor filme que alguém possa assistir por diversão. Embora também ofereça alguma diversão, o que o torna grande não é sequer sua qualidade, mas uma reflexão que tangencia e, às vezes, ignora (quando não contradiz), sobre o público e o privado.
Incomodou-me perceber, no cinema, as reações de alguns poucos, embora ruidosos, expectadores. Gente que soltava um risinho de triunfo a cada vez que H.M. Elizabeth II, representada com excelência pela candidata favorita ao Oscar, Helen Mirren, aparentava sofrer um revés. Tornou-se claro, para mim, que tais pessoas procuravam estabelecer um confronto, inexistente no filme, entre as figuras da rainha e de Lady Diana Spencer (não mais Princesa de Gales). E o que isso representa? À parte, os méritos e limitações próprios das duas, por razão de sua humanidade, a vilanização da soberana britânica diante de Diana deve-se a bem mais do que à "inversão de valores" lamentada por aquela, no filme. O conflito dá-se, ali, entre a percepção valorativa que se dá entre o que é público e privado.
Em nossa sociedade midiática, a massa valoriza aqueles que se expõem, por maus ou bons motivos, às vezes sem fundamento, apenas por se expor. É a lógica do Big Brother, do Star System, das celebridades instantâneas preconizadas por Warhol. No Brasil, programas sociais buscam formar artistas de tv e esportistas, porque ser o melhor profissional em um trabalho comum não subtrai a juventude da lista de delinqüência. Longe de mim querer fazer uma análise sociológica sobre tema tão batido, ela explica as comparações que as pessoas fazem entre as personalidades contemporâneas, estendendo-as a suas relações cotidianas, no trabalho, na universidade, na família.
Quem se acostumou com a figura do Papa pop, João Paulo II, muitas vezes, acaba por torcer o nariz ao circunspecto (como se fosse ruim sê-lo), porém genial e prudente, Bento XVI. Do mesmo modo, quem teve alimentado seus sonhos de um duplamente real conto de fadas na figura da jovem, bela e plena de glamour de Diana (com "sangue azul" desde o nascimento, filha do 8º Conde Spencer, Visconde de Althorp), pode, naturalmente, demonstrar sua insatisfação com figura solene e estóica de Elizabeth Windsor.
O mérito de "A Rainha" encontra-se, ao mostrar a intimidade da realeza, com suas angústias e simples humanidades, na revalorização de Elizabeth II e de tudo o que representa. Tendo assumido o reino aos 25 anos, com a renúncia do tio e a morte prematura do pai, ela enfrentou, ainda princesa, os bombardeios alemães sobre a capital inglesa, sem atender, com a família, os pedidos para que se refugiassem no interior do país. Junto com Elizabeth Bowes-Lion, sua mãe, a Rainha Mãe, Elizabeth II permaneceu como símbolo da luta que unia (e ainda une) os britânicos, foi mecânica na 2ª Guerra, voluntária na assistência pública, devota à família e à fé. Antes da ascensão de movimentos ambientalmente radicais, demonstra preocupação e carinho com os animais, com a moderada ação de quem respeita as opiniões e direitos alheios. Na comparação com Diana, ela perde em exposição, porque não se preocupa com isso. Os valores que defende e representa, são a defesa da privacidade, a sabedoria estóica adquirida com o tempo, a nobreza que não se confere por títulos, mas se confirma, no dia-a-dia da gente comum, em dedicação ao trabalho, cumprimento das obrigações, demonstração de afeto desinteressado ao próximo, senso de dever, justiça, pureza e lealdade.
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